Formação Humana e educação literária: a literatura nas provas do Enem
tese_doutorado
Considerando o papel da literatura na formação humana e considerando que, na organização social coetânea, a educação escolar assume função proeminente neste processo, esta pesquisa teórico-bibliográfica e documental investiga, em diálogo com contribuições hauridas principalmente ao materialismo histórico, a Literatura nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aplicadas entre os anos de 1998 e 2020 aos concluintes e egressos da educação básica brasileira. De política pública de avaliação em larga escala de participação facultativa, o exame gradativamente converteu-se em elemento obrigatório para o acesso ao ensino superior e, portanto, para a continuidade dos estudos. Com isso, passou a influenciar, decisivamente, o trabalho pedagógico dos professores, com desdobramentos diversos. O cerne da pesquisa esteve na relação entre o tratamento dispensado aos conhecimentos literários nas provas e o projeto de formação humana para o qual esse tratamento aponta. O estudo leva em conta que o Enem nasce e se consolida no contexto de alinhamento do Estado brasileiro às determinações internacionais para a educação básica, que Saviani (2013a) denomina como neoprodutivista. Assim, o Enem se constitui, contraditoriamente, como avanço (em relação aos tradicionais vestibulares para acesso ao ensino superior, que tendiam a priorizar a memorização de conteúdos às vezes irrelevantes) e retrocesso (em relação ao modelo de trabalho pedagógico que passa a favorecer, alinhado à lógica da Pedagogia das Competências). Se, de um lado, se trata de uma importante e conflituosa política pública (com desdobramentos para as práticas escolares e para a formação de gerações de sujeitos escolarizados), de outro, vivemos um cenário de instabilidade e incerteza em relação a seu futuro, por causa da (Contra)Reforma do Ensino Médio, da aprovação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e das alterações realizadas no próprio modelo do Enem. Conclui-se que a lógica da Pedagogia das Competências, que determina a maneira como a Literatura é tratada no exame, é incompatível com a busca por uma formação humana omnilateral e com a modalidade de conhecimento que o literário enseja, porque: as questões prescindem da experiência de leitura integral; a especificidade do conhecimento literário é substituída por um trato utilitarista com a linguagem; e o frequente reducionismo interpretativo impede o desvelamento da realidade que poderia ser operado a partir de uma análise cerrada do texto e/ou da obra literária que agenciasse a crítica, a teoria e a historiografia literárias. Coerentemente com os interesses que lastreiam o alinhamento do Estado brasileiro ao neoliberalismo, o modelo de formação humana induzido pelo exame é compatível com o estágio atual de desenvolvimento do capitalismo e com o lugar do Brasil no plano internacional. Portanto, não se trata de melhorar as questões do exame, mas de realizar uma crítica radical à sua lógica e a seus desdobramentos nas salas de aula de educação básica brasileira, notadamente de ensino médio, se queremos defender a formação de seres humanos que se encarreguem de transformar o estado atual de coisas.
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